TERCEIRA PARADA: BRITADEIRAS

autoria: Indira Moretti

 

Oscilando entre espanto e curiosidade o garoto se aproxima do muro da estação. Edificação antiga e esculpida pelo Tempo, cujo muros, carentes de atenção revelavam marcas de um passado, de suas histórias, das pessoas que por ali passaram, assim como do Tempo que se passou.

Sulcados por rachaduras, pequenas frestas e ranhuras, ele se mantem de pé, cumprindo seu papel, protegendo a propriedade, abrigando em seus sulcos outras pequenas formas de vida vegetal e animal, que com o Tempo foram chegando e ele não pôde, nem quis evitar.

Era um muro. Bem mais que um muro. Como era eu…

Era apenas um muro. Uma imensa muralha. Era eu…

Apenas um muro. Imensa muralha. Eu…

Um muro. Muralha. …

O garoto agora, já debruçado sobre o muro, voltou-se para a mãe que o acompanhava e perguntou:

– O que são aquelas máquinas mamãe? Para que servem? O que aqueles homens estão fazendo?

– São britadeiras – (respondeu ela, que de tão distante em seus pensamentos, estava quase ausente).

– E para que servem mamãe? São muito barulhentas!

– Servem para quebrar paradigmas meu filho.

– Para… o quê? (pergunta do garoto, franzindo a testa).

– Paradigmas.

– O que são paradigmas mamãe? Eu nunca ouvi essa palavra!

– São modelos, estruturas ideológicas, emblemáticas, formadas por ideias e conceitos formulados e sobrepostos em nossa mente na curva do Tempo, que nos norteiam nas escolhas e decisões de vida. Estruturas que precisam de ventilação e atenção constante para que não fiquem petrificados, assim como aquela superfície na qual trabalham aqueles homens.

– Não entendi…

– Estas crostas espessas e imóveis de ideias e conceitos nos quais nos deixamos fazer crer e que, ingenuamente acreditamos que nos vestirão bem por toda a nossa breve existência, podem ir se tornando inflexíveis e ásperas no decorrer do Tempo. Sufocando-nos, porque se não forem ventiladas, acabam por nos roubar a ventilação, a ponto de tornarem-se, em determinado momento, bastante problemáticas.

Quase que exigindo atenção, na tentativa ingênua de resgata-la de um universo distante, o garoto a toca no antebraço indagando:

– Do que você está falando mamãe?

– Das britadeiras filho! Elas podem, em alguns casos, ser os únicos instrumentos capazes de remover tão duras camadas de ideias no solo de nossas mentes. Figurativamente falando meu filho, às vezes, aos dar-nos de “cara” conosco no tão sincero espelho percebemos que aquelas velhas “verdades” já não nos vestem bem, ficaram justas, apertadas demais para conter o desenvolvimento de nossas asas. Também pode acontecer de estarem tão largas e tão soltas, que de nós não sentirão saudades.

Ouvindo o trem aproximar-se da estação, o garoto se distrai novamente com algo novo e, todo empolgado puxa a mãe pelo vestido bradando:

– Vem mãe! Nosso trem chegou!