O GENERAL

– autoria: Indira Moretti

 

A convocação, o olhar atento.

A disposição, nenhum lamento.

Fazer o quem de ser feito.

Dando de si, sempre o melhor.

 

Por onde começar?

Olhar atento para enxergar.

Peito em brasa, mente aberta.

Clareza para o planejamento.

 

A vestimenta asseada.

A barba sempre alinhada.

Calçado forte e armadura flexível…

Sem recuo. Atento a cada sinal.

 

Sem preocupar-se com a vestimenta,

Olho a olho com a própria presença,

Cingiu a espada diante do espelho,

Enxergando a correta disposição, sem medo.

 

A paixão pelo que se há de fazer,

Faz do sacrifício uma honra, um prazer.

É o que faz do ofício um modo de vida.

Quando se vê homem e profissional se fundem.

 

Precisava de homens bem dispostos.

Que se permitissem guiar com um propósito.

Na urgência do Tempo formou seu pelotão.

Na dissonância das poucas semelhanças.

 

Encontrou soldados fortes e preparados.

Encontrou soldados fortes aposentados.

Encontrou soldados fortes enferrujados.

Recebeu seus camponeses despreparados.

 

O contingente era pequeno para ariscar.

Aos camponeses não hesitou em recepcionar.

Ainda que despreparados, poderiam ser guiados.

Se bem dispostos, poderiam ser treinados.

 

Havia um objetivo em comum.

Espadas, lanças, armaduras – não faltava a nenhum.

Escudos e coragem eram em quantidade suficiente.

Eis o desafio que estava mais à frente:

 

Transformar camponeses em soldados,

Preparar os que estavam enferrujados,

Aposentados ver agir como ativos,

Tornar os poderosos mais flexíveis.

 

Aos camponeses faltava perícia.

Eram desprovidos de técnicas e malícia.

Presentes! Estavam todos lá.

Chegaram cedo e estavam ansiosos.

 

Não sabiam por onde começar.

Oscilavam entre se esconder ou se mostrar.

Aproximou-se e percebeu que em seus olhos havia brilho,

Tinham coragem e acreditavam.

 

Não sabiam “como” cumprir a missão,

Mas acreditavam, cheios de disposição.

Os soldados chegaram depois,

Em grupos segmentados.

 

Os mais fortes e valentes estavam preparados.

Corpos robustos e bem treinados.

Armaduras que reluziam à luz do sol.

Calçados fortes e confortáveis, fala discreta e segura.

 

Posicionaram-se ao lado dos camponeses,

Garantindo a distância para não se parecerem.

O General aproximou-se e olhou-os de perto.

Percebeu um discreto véu frente aos seus olhos.

Quase imperceptível, semelhante a uma névoa.

Aproximou-se um pouco mais: era pura vaidade!

 

Julgavam-se prontos e preparados,

Estavam divididos quanto a serem guiados.

E pouco dispostos a aprender novas estratégias,

Orgulhavam-se de si…

 

Neste instante aproximou-se algo mais sério.

Aposentados e enferrujados, que juntos vieram.

Chegaram misturados, entrosados.

Era um grupo misto e barulhento.

Desprovido de confiança, mas bem entrosados entre si.

 

Toda aquela fraterna indisciplina era bastante incômoda à observação.

Alguns assumiam postura de aparente desmotivação.

Outros riam de si e dos demais…

Então, o General fechou seus olhos e remodelou-se.

 

Varreu da mente qualquer pré-julgamento que pudesse interferir na avaliação ou na disposição para com eles.

Contentou-se com a presença dos que presentes se fizeram e assumiu a responsabilidade.

Ao olha-los mais de perto, assim como fez com os demais, percebeu que alguns estavam fisicamente fora de forma.

Outros tinham marcas e sequelas de batalhas anteriores.

As armaduras não reluziam, mas eram apropriadas.

Os calçados eram de fato o melhor de que dispunham.

Em suas mãos: lanças e espadas afiadas, escudos fortes e polidos.

 

Resolveu olha-los ainda mais de perto.

Percebeu que as cicatrizes e danos físicos resultantes de batalhas prévias não os limitavam.

De fato eram fortes e capazes.

Eis que percebeu um manto sobre seus ombros – denso, forte, pesado – que há muito tempo os acompanhava, limitando a disposição, atrasando a marcha e lhes sugando energia.

Era a dúvida e a falta de confiança.

Conheciam as técnicas e estratégias de batalha, não estavam com medo.

O treino logo lhes devolveria a disposição física, mas o peso daquele manto atrasaria qualquer progresso.

Então afastou-se por um instante e designou capitães.

Depois dividiu os homens em grupos mistos.

 

Quanto aos camponeses, sua disposição era evidente.

Ao deixarem a insegurança de lado, demonstraram avidez em aprender.

Despertando nos aposentados e enferrujados a lembrança de tempos distantes, quando empunharam a espada pela primeira vez.

Estes sentiram a brasa do ânimo lhes invadir e encheram-se de confiança ao perceberem-se não só capazes de fazer, mas também de ensinar.

Retribuíram treinando os camponeses e lhes ensinando técnicas de batalha – viram-se dispostos e orgulharam-se de si.

Erraram e acertaram muitas vezes – sob o fio da espada houve leves arranhões e ferimentos, mesmo assim a valentia e determinação do grupo os fizeram poderosos.

Enfrentaram as próprias dores em prol de um objetivo comum.

Ao final do dia riram de pequenos incidentes e festejaram os avanços.

Foram dormir pensando no que fariam de diferente no próximo dia a fim de superar os desafios e limitações pessoais.

Encanto!

Há beleza na capacidade de face a face, um homem estimular o outro quando trabalham juntos.

Quanto aos vaidosos de si… Aqueles cuja armadura reluzia… Todos os fortes e preparados:

À princípio, sentiram–se desvalorizados por terem sido divididos entre os grupos de forma imparcial.

Eles eram de fato impressionantes só de olhar e com certeza formavam um competente pelotão quanto juntos.

Um desempenho que fazia brilhar os olhos do General.

Ficaram a princípio desconfortáveis com tanta imperícia e imprudência, mas mostraram-se preparados, e fizeram-se dispostos, inclusive para acatar, ensinar e serem guiados.

Ao se permitirem… Aquela névoa foi pouco a pouco se dissipando.

Eram os homens de competência, sabiam da guerra: a prática e a ciência.

Eram capazes de derrubar gigantes, sabiam o que fazer e, sem que fosse preciso delegar, foram assumindo posição entre os demais.

Levantaram-se dispostos a lutar e foram dormir preparados para ensinar, eis que ao aprenderem tornaram-se melhores.

Aos camponeses o Tempo concedeu: dificuldades serem revertidas em técnicas e habilidades.

Quem estava duvidando viu a competência ser forjada no dia-a-dia…

Os poderosos perceberam que de fato não eram imortais e donos da valentia.

Quanto aos inseguros, passaram a melhor se virem frente ao espelho.

O treino e a atitude correta, selada pelo compromisso lhes conduziu para o alcance da excelência.

Em pouco tempo os grupos foram se homogeneizando.

Havia nítidas diferenças em seus componentes, mas as dificuldades de uns foram compensadas com as habilidades de outros.

Então o General foi investigar bem mais de perto e agora conseguia enxergar forte entrosamento e sintonia, não havia mantos pesados por sobre seus ombros, nem nuvens de vaidade frente aos seus olhos.

Quanto aos camponeses…

Já não eram mais! Agora eram combatentes.

Isoladamente cada homem e mulher tem seu peso, seu valor, suas forças e fraquezas e todos, simplesmente todos, tem habilidades a serem desenvolvidas.

No sucesso das relações de grupo descobrimos o quanto podemos fazer de melhor por um objetivo comum e por nós mesmos.

Crescemos como grupo, crescemos como indivíduos e, quando o grande dia chega há confiança nos olhos de todos.

Individualmente cada membro conseguia reconhecer suas virtudes e limitações e estavam juntos.

No trabalho, o grande dia é o próprio dia-a-dia. Treinamento e batalha acontecem simultaneamente, se misturam, se complementam, se confundem.

E é neste cenário conflituoso e desafiador que nos polimos, nos lapidamos, nos afiamos mutuamente.

É no dia-a-dia que crescemos, nos ferimos, nos curamos, festejamos, conquistamos, caímos, levantamos, mas não desistimos nunca de crescer, de aprender, de fazer sempre o melhor.