QUINTA PARADA: NÃO MENOSPREZE AS ENTRELINHAS

autoria: Indira Moretti

 

Ingenuamente, ou não, agarrou-se aos trilhos e seguiu em frente.

Imaginando que seu pulsar veloz o faria passar despercebido.

Fosse em linha reta ou por curvas sinuosas,

Insistia em correr, de forma atroz, quase espantosa.

Eis que um dia, calmamente, depois de um repouso em noite gelada,

Seus motores reclamando, cena inerte, congelada.

Era apenas mais uma estação, climática e esbranquiçada,

De um branco quase sem vida…

Era neve por toda parte, naquela terra quase esquecida.

Ainda que parado sobre os trilhos, era possível transparecer o desejo de ir além.

De libertar-se de si mesmo, de não mais sentir-se aquém…

Então mirou as entrelinhas, e enxergou possibilidades.

De deixar as próprias marcas naquelas linhas assim sulcadas.

Como entrelinhas da própria vida, as permeou com sua esperança,

Registrou, revisitou a própria história, suas lembranças.

Voltou no Tempo, ritmo veloz.

Quando criança…

E viu-se frágil, olhos cabisbaixos, regados, lábios sem voz…

Sem voz para pulsar, sem voz para falar, sem voz nem argumento.

Que realmente…

Só vem com o Tempo.

E agora ardendo de emoção, sentiu motores se aquecendo.

Era gelo, era fogo.

Tudo queimava ali dentro.

Então mirou nas entrelinhas, pois não sabia como escrever,

A própria história naqueles trilhos, quase o fazendo enlouquecer.

Tais entrelinhas tão percorridas e permeadas de informações, que valiosas e importantes, confundiam-se na paisagem, sem claramente serem expostas.

E então já quente com seus motores, de gelo e fogo, sempre a pulsar, voltou a correr por sobre os trilhos, pensando em como se encontrar.

E deu de frente com as sinuosidades que no percurso já repousavam.

Não quis frear tão bruscamente.

Expôs-se à riscos. Vãos perigos não lhe assustavam.

Como quem sabe para onde vai, insistindo em assim pulsar, deixou de lado, na paisagem, cenas carentes de contemplar.

E percebeu que a clareza, a transparência e a paisagem vão se perdendo ao longo da estrada, por assim a percorrer de forma veloz, sua jornada.

E então freou, não de repente e olhou atento seu trafegar.

Expôs o implícito e o explícito pra que pudesse continuar.

E percebeu nova estação, mirando ao longe o seu olhar.

Viu novas linhas e entrelinhas, pois não podia as apagar.

Hesitou por uma instante, por não saber se percorrer, depois olhou com mais cautela e percebeu seu próprio ser.

Refletido em águas calmas, mirou-se como nunca antes…

Apaixonou-se por sua imagem, refletida naquele instante.

Então encheu-se de alegria, fé e coragem. Sentiu bater seu coração, pois de fato só queimava.

E algo novo aconteceu, naquela imagem refletida, havia um ser, já não mais máquina.

Agradeceu com emoção à Quem no Tempo nos esculpe, e percebeu-O mais de perto, disse baixinho: “me desculpe”.

Percebendo suas próprias formas, abraçou-se com destemor.

Decidiu bem lá no fundo voltar a amar-se, seja como for.

Com suas linhas e entrelinhas, ganhando asas para sonhar,

Viu-se mais belo, já não mais máquina…

Novo pulsar.

 

 

Entrelinhas da vida.

Permeadas, repletas de informações valiosas, tão importantes quanto as claramente expostas.

Comunicar é bom, é necessário, pode ser perigoso, pode ser um alívio.

Entre o implícito e explícito, somos todos capazes de nos comunicarmos.

As páginas de um livro estão repletas de palavras, que facilmente poderiam ser quantificadas, bem mais rápido que as estrelas do céu.

O conteúdo escrito está escrito e, ainda assim pode ser interpretado de diferentes formas, a depender de quem o lê, seu estado de espírito, sua trajetória, conhecimento prévio e momento de vida atual, dentre outros inúmeros fatores.

E nas entrelinhas há sempre tanta coisa dita, ou não dita, mas que está lá. Não se trata de ser bom ou ruim, tratasse de estar lá! E onde quer que estejamos, sejamos felizes por estarmos. Ainda que não compreendamos a razão.

Agora pare!

Preste atenção!

Que nossa língua seja instrumento, quando precisarmos alçar a voz.

Que nossos olhos nos explicitem, extravasando quem somos nós.

Que nossos corpos nos deem forma, sem definir tudo o que somos.

Que nossas atitudes nos glorifiquem, concretizando porque estamos.