A INTRUSA

– autoria: Indira Moretti

 

Um dia a Solidão bateu na minha porta.

Bateu por bater!

Só mesmo para fazer barulho, porque ela já estava lá, do lado de dentro.

Ela fez de propósito, queria chamar atenção.

Olhei! Não gostei do que vi, não entendi e decidi ignorá-la.

Mesmo assim, sem nada dizer ela ficou lá um tempão, parada, em pé, ereta.

Mais uma vez sem entender, olhei-a de longe, deduzi que não sentou-se em sinal de protesto e…

Não liguei! Eu estava ocupada – só isso!

Ela? Continuou em pé – presente.

Eu a ignorei por muitas vezes, a sufoquei com saudades, ela permaneceu quieta e de pé. Nunca sentava.

Percebi que ela não era de tomar a iniciativa, mas acatava e fazia tudo o que lhe era delegado.

Já que ia permanecer, sufoquei-a com tarefas, fazeres e afazeres em diferentes áreas.

O Tempo foi passando…

Certo dia eu amanheci triste, com saudades de mim, um vazio imenso, o pensamento distante – queria alguém para culpar.

Olhei para o lado, a Solidão estava lá.

Logo pensei: não gosto dela!

Não confio!

Não entendo!

Deduzi que tinha medo…

Então fiquei com raiva e gritei com ela.

Perguntei por que permanecia em pé.

Ela não respondeu.

Então fiquei mais furiosa:

– Qual o seu problema? Tem hemorroidas?

Ela não respondeu nada! Permaneceu presente e continuou em pé.

Em minha fúria, eu me encolhi e chorei.

Quando percebi, minha cabeça estava sobre o colo da Solidão.

Ela afagou meus cabelos sem nada dizer.

Foi a primeira vez que a vi sentar-se.

Chorei!

Adormeci…

Quando acordei ainda estava triste – observei a solidão ao lado, de pé.

Então a olhei com desprezo, sabendo que ela ainda estaria lá quando eu voltasse do banho.

Pouco a pouco fui aprendendo a respeitar sua insistência em sempre estar.

Mas não um respeito admirável – é aquele respeito que se dá àquilo que não entendemos e que julgamos sem solução: “deixe ela aí…”, “quer ficar, então fica!”.

Ainda me questiono se posso chamar isso de respeito, mas foi o jeito sem jeito, que encontrei de não confrontá-la.

Agora alguns detalhes sobre ela:

A Solidão se veste bem, sabe se portar, sabe entrar e sair.

Fala adequadamente.

Acompanhou festas de casamento, batizados, muitos natais, fica bonita de biquíni e usa até filtro solar.

Descobri, mesmo sem ela imaginar, uma fraqueza: não entra na balada! Não entra! Não entra mesmo! Barrada!

Acontece que a vida não é assim. Eu queria me livrar dela, mas não tinha tempo para baladas. Levanto cedo, trabalho muito e preciso cuidar da vida.

Certo dia, nem sei por que, percebi algo de diferente entre nós, talvez em mim, talvez nela.

Interpretei da seguinte forma: ela me parecia triste e ironicamente “tão sozinha”…

Não entendi! Tentei evitar, mas faltou crueldade.

Decidi chegar mais perto, olhei-a nos olhos como quem diz, sem dizer: “estou aqui”.

Ela suspirou, deitou-se, fechou os olhos e adormeceu.

Eu? Não entendi nada!

Mesmo assim respeitei, mas desta vez foi um respeito imposto pelo espanto, por não saber o que fazer.

Muitos dias se passaram, ela continuava lá.

É! Isso mesmo! Lá!

“Lá!”. “Lá!”. “Lá!”. “Lá!”. “Lá!”.

Sempre “Lá!”.

“Lá!” é o localização geográfica da Solidão.

Acontece que o “Lá!” é transitório, migratório e memorável – está em todo lugar.

Concluí que ela era bem disposta para acompanhar, mas nunca falava nada – pensei: deve ser muda!

Não sei “dar cabo” da solidão! Mas vou prestar mais atenção no que, mesmo em silêncio, ela insiste em dizer.

Continuei minha trajetória.

Certo dia aprendi algo novo: que as experiências acontecem e que nos aguçam os sentidos, modificando nosso modo de ver e interpretar a vida.

Olhei para o lado e a Solidão não mais estava “Lá!”.

Fiquei surpresa… Olhei de novo! …mas não a vi.

Sentindo-me traída pelo sumiço dela, pensei: “Miserável! Foi embora! Deixou-me na solidão!”.

Como de costume não entendi e senti raiva!

Depois decidi acalmar-me e concluí que “Solidão” é mesmo coisa difícil de entender… Então cursei meu dia.

Eis que no momento de deitar, quando meus olhos fechei, a vi deitada, encolhida, aconchegada em meu peito, sem abrir os olhos, senti-me confortável e sorri – adormecemos em segurança.