METAMORFOSES

– autoria: Indira Moretti

 

Duas células reprodutivas se encontram e o fenômeno da vida acontece. Obra do Divino! Quarenta e duas semanas no ventre materno, mitose por mitose, a vida ganha forma.

O grande dia chega e, num só inspirar se ganha voz, num choro intenso que enche a sala de alegria.

Primeira, segunda, terceira infância. Puberdade, adolescência, em fim dezoito: “Agora sim! Posso tirar habilitação, posso dirigir. Sou um adulto? Entre o sim e o não, fiquem com a discussão. Eu? Sinto-me pronto para conquistar o mundo”.

Vinte e um: “Alguém me disse que seria assim, no entanto agora é comigo, estou na pele. Por onde começar?”.

Trinta: “O que é isso? Preciso de um espelho maior. Uma ruga? Não! Não pode ser! Ainda é cedo! Onde estão os cremes? Já sei! Planejamento estratégico: Botox! Agora sim, tô bonito!”.

Quarenta: “Não é por nada não, mas estas fibras musculares já foram mais competentes. Pode acreditar! Maldito Newton! Foi ele! Ele que inventou essa tal de lei da gravidade”.

Cinquenta: “Deixa o Newton pra lá. Quer saber? Isso já nem é mais tão relevante assim. Até mesmo porque se pode dar um jeito nisso com empenho. O fato é que o Tempo está gerando muitas inquietações e incertezas. Sim! O Tempo! Preciso de alguém para culpar e desta feita escolhi o Tempo. Tenho cinquenta anos e estou cronologicamente distante do Tempo em que nasci. O mundo mudou muito desde então e quando penso no futuro só enxergo incertezas, porque o mundo continua mudando e alguém me fez lembrar que eu também preciso fazê-lo. Mas sabe o que é? Tenho medo de mudar, devo admitir. E é só! Chega desse assunto! Nunca gostei de pensar, muito menos de falar dos meus medos, então, vamos mudar. Mudar de assunto!”.

Sessenta: “Velho coisa nenhuma! Estou vivo. Existo! E sinceramente (aceito críticas), não me agrado muito dessas expressões: “terceira idade”, “melhor idade” – repletas de boa intenção, mas que por si só não garantem resultados se não houver mudança na forma de pensar e agir, na forma de olhar para essa parcela da população. Sabe por quê? Porque junto com esses eufemismos simpáticos há muita “fragilidade”, muita “debilidade”, muita “insanidade” nos paradigmas sociais. Há também muito medo por aí. Se me julgas rabugento, tudo bem. Posso lidar com isso”.

Depois: “Vou recorrer à filosofia para dar conta do que não dou. A filosofia é atemporal. E quanto a mim? Não sei dizer, temo que não. Pretensiosamente gostaria de ser lembrado pelos feitos, pelas virtudes e até pelos defeitos. Agrada-me a possibilidade de estar vivo na memória dos que amo. Não me interprete mal, não se trata de nostalgia, nem de melancolia, não me preparo para despedidas e sinceramente nunca delas me agradei. Seria vaidade? Talvez, posso admitir, mas creio que não. Sabe o que é? Meus sonhos eram muito maiores do que eu, alguns feitos geraram resultados e benefícios que se estenderam à outras vidas, então olho para o legado e me agrado. Vaidade? Não! Não se trata de vaidade. É que conheço de perto gente ansiosa nesse mundo. Gente que quando criança quer ser adolescente. Quando adolescente quer ser adulto. Depois de adulto começa a ser, a tal ponto de não mais reconhecer-se e depois fica um “Tempão” tentando juntar os fios rompidos. Um segredinho: vida é trajetória, é construção de si e do entorno, é estar presente em si e reconhecer-se naquilo que faz, a ponto de se agradar e alargar-se. É estar presente na vida dos seus, ainda que para isso, tenha de se expor a novas e subsequentes metamorfoses, pois onde há vida, há transformação. Uma certeza: não há certezas, vida é movimento. Boa viagem!”.